Preocupação com o próprio corpo e com as formas de proteção (ou agressão) à natureza que envolvem a produção dos alimentos leva brasiliense a aumentar o consumo de orgânicos
Antes, eram os naturebas. Bichos grilos, ripongas, “gente esquisita”, era como costumavam ser chamados os amantes das comidas orgânicas até certo tempo atrás. Optar por alimentos cultivados de forma agroecológica, sustentável, e fazer essa escolha dentro dos restaurantes, dos mercados e em feiras fazia o outro ao lado entortar o nariz.
Mas o conhecimento chegou, as informações sobre os benefícios dos orgânicos para o homem e o planeta se espalharam, e hoje, mais do que uma caminhada em busca da saúde, o consumo de orgânicos se tornou uma filosofia de vida. Um jeito justo de consumir: íntegro com os produtores, com o meio ambiente e com a saúde.
Uma das barreiras de acesso aos orgânicos sempre foi o preço. A lei da oferta e da procura não falha nessa hora. Quando a saga para encontrar o produto é grande, o preço também complica. Encontrar, comprar e consumir esse tipo de alimento já foi, para muitos, inacessível. Exatamente nessa conjugação: foi. A produção agrícola de orgânicos no país, em 2017, deve superar os 750 mil hectares registrados em 2016.
O resultado se reflete muito além das paredes dos supermercados. Está nas feirinhas de rua, entrequadras, sacolões, nas lojas comerciais parceiras e empresas especializadas na compra e repasse desses produtos. Uma pesquisa feita pelo Instituto Kairós — uma organização civil sem fins lucrativos, que apoia projetos ligados ao consumo sustentável — durante um ano, revelou que uma cesta com 17 produtos orgânicos ficou, em média, cerca de 50% mais barato nas feiras do que nos supermercados.
Realizada em cinco cidades brasileiras, a pesquisa envolveu 22 produtos e apontou que os preços dependem, entre outros fatores, do tipo de canal de comercialização. Para a nutricionista Mariana Garcia, do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), nos canais tradicionais o orgânico sempre sairá mais caro. “As feiras apresentam preços mais em conta, assim como os grupos de consumo, quando as pessoas se juntam e pedem diretamente do produtor”, compara.
A orientação do Idec é que as pessoas façam a pesquisa de preço por canais de consumo. “Claro que nem todas as regiões terão uma variedade de alternativas, mas, nas grandes cidades isso já é realidade”, diz Mariana. “Há comércios que são parceiros de produtores e também trazem os orgânicos por um valor mais barato, ou seja, com um pouco de pesquisa é possível achar alimento saudável e que temos condições de pagar”, aconselha.
Para ajudar essa busca, o Idec criou o Mapa de Feiras Orgânicas. Uma ferramenta que encurta o caminho do consumidor até o produtor. O mapa localiza feiras orgânicas ou agroecológicas, grupos de consumo responsável e comércios parceiros de orgânicos. Indica o dia de funcionamento e o horário. No Brasil, são 743 iniciativas. Em Brasília, são quase 40.
A bióloga e funcionária pública Rita de Cássia Surrage, 53 anos, tem uma tabela em casa com os melhores locais para ela e a família comprarem orgânicos. Nas quartas pela manhã, o ponto de parada é na comercial da 409 Sul, atrás do restaurante Girassol. “Tem quase 10 anos que não abro mãos dos orgânicos, mas sempre nas feiras. Eu e meus pais. E cada dia que passa mais pessoas próximas, amigos, estão se conscientizando da importância de se alimentar melhor”, comenta Rita.
Quando aderiu ao novo hábito de consumo, era mais complicado encontrar, lembra a bióloga.
Consequentemente, os preços eram lá em cima. Hoje, Rita e a família levam para casa os alimentos sem química por um preço justo. “Tem que procurar um ponto de distribuição, mas vale a pena. A diferença nos valores não é mais tão significativa e as vantagens são em dobro. Bom para a saúde e para o meio ambiente”, pondera.
Canteiros livres de venenos
Apesar do crescente interesse dos consumidores, o país ainda não sabe qual o tamanho preciso de suas áreas de produção de orgânicos. Isso prejudica o setor, que está em expansão e precisa de investimentos. “É preciso saber o que existe para construir a estrutura necessária que ajude a manutenção desse crescimento”, explica Sylvia Wachsner, coordenadora do Centro de Inteligência em Orgânicos (CIO), vinculado à Sociedade Nacional de Agricultura (SNA).
“Dados atualizados são fundamentais. O que temos, mesmo assim não oficialmente, é que em 2016 foram registrados 750 mil hectares”, diz Sylvia. Dados do Cadastro Nacional de Produtores Orgânicos, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, no entanto, mostram o avanço das unidades de produção. Os produtos cadastrados devem conter o selo de certificação.
Só no Distrito Federal, o número de unidades produtivas passou de 110, em 2013, para 305, até novembro de 2017. Estão cadastrados 200 agricultores, duas vezes mais do que o registrado há quatro anos. Entre eles, a produtora Neli Christ, 65 anos. Ela, a filha e o marido produzem dois hectares de frutas, verduras e legumes orgânicos, no Lago Oeste. Nos fins de semana, a família vende diretamente para o consumidor, na feira do Colorado, junto ao balão que liga Brasília a Sobradinho e ao Lago Oeste.
“A produção tem aumentado ano a ano. Quando começamos, não plantávamos nem um hectare”, orgulha-se Neli, que transformou o plantio em 100% orgânico há quatro anos. Além da feira do Colorado, aberta aos sábados e domingos, das 6h às 13h, os produtos colhidos — que chamam a atenção pela qualidade — abastecem uma casa de orgânicos na Ceasa, de segunda a sexta feira.
“A consciência do produtor e do consumidor tem aumentado, assim como a informação. E, na medida que essa consciência aumenta, também cresce a procura pelos alimentos mais naturais”, observa Neli. Nos canteiros, nada de veneno. A família usa apenas adubos orgânicos e produtos naturais à base de pimenta e sabão de coco, por exemplo, para cuidar da plantação.
A mudança de pensamento também está nos consultórios dos nutricionistas. Paula Daher Milhomem, 28 anos, atende há 7 anos e revela que, de lá para cá, algumas coisas mudaram, principalmente, na hora de montar uma dieta. “Hoje, recebo pacientes mais esclarecidos, ou seja, eles já chegam aqui com pedido específicos, como a preferência por orgânicos. Eles mesmos me contam das feiras perto de casa, das opções que têm achado na rua.”
Paula diz que aproveita para incentivar o consumo do alimento sustentável. “Antigamente, por ser mais caro, menos acessível, eu não podia indicar para todos os pacientes. Hoje não tenho mais essa restrição.” Segundo ela, consumir orgânicos ajuda o corpo a absorver melhor os nutrientes de cada alimento. A preferência deve ser para as frutas e legumes da época.
“O organismo assimila muito melhor, por causa da ausência de componentes tóxicos. Absorve e elimina melhor. Por exemplo, o betacaroteno da cenoura orgânica é mais ativo do que o da convencional. Quando explicamos tudo isso fica fácil convencer das vantagens, sem contar a parte ecológica, de preservação do meio ambiente”, observa a nutricionista.
Correio Braziliense
Texto: Camila Costa – Especial para o Correio/Revista
Foto: Antonio Cunha/CB/D.A Press
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